sexta-feira, 28 de setembro de 2012
ELA NÃO QUER DIVIDIR O BROWNIE
Ela pinta as unhas de vermelho quando quer. Mas, também, sabe deixar as unhas em cacos quando dá vontade. Esbanja esquisitices ao falar dos seriados prediletos. Ela poderia assistir Grey´s Anatomy o dia todo. Todo dia.
Ela usa vestido de tricô, daqueles clichês para tomar café quando o tempo é frio. E bebe cervejas em canecas, como homens pré-históricos. Ela ri de palavrões e de piadas de humor negro. Mas, também, se derrete mais do que picolé em frigideira quando recebe um SMS romântico de madrugada.
Ela acorda, depois de desistir de lutar contra a função soneca do despertador, escova os dentes daquele jeito que só quem usa/usou aparelho sabe, não toma café mesmo morrendo de fome. Prefere usar preto. Mas desbanca qualquer havaiana bonita quando inova em alguma vestimenta cheia de flores coloridas. Ela é linda e desconversa. Fala do tempo, do futebol, da novela, da mãe, da crise do Internacional e do Nietzsche.
Quando o assunto é sexo, ela fala menos do que escuta. Escuta com os ouvidos, com os olhos, com a boca e com os pêlos da coxa. Ela anda escutando Ramones e os Beatles o tempo todo. E fala que eu tenho péssimo tom de voz. Lê livros mais rápido do que eu poderia imaginar. E diz que, também, gosta das minhas histórias.
É estranha, também. Assumo. Corta o cabelo de acordo com as fases da lua e gosta de comer macarrão com feijão. Gosta de umas bandas que ninguém conhece e chora com as histórias do Nicholas Sparks. Liga o ar condicionado porque gosta de dormir sentindo frio e acaba repousando feito uma esquimó com meias e edredom. Uma linda esquimó, por sinal. Não sabe usar o celular. Costuma atender as ligações somente após a quarta tentativa de chamada. Não, ela não ignora. Ela perde tempo é procurando o celular na bolsa, debaixo da cama ou na pia do banheiro. Mas, vez em quando, ela sabe ignorar também. Não sabe dançar muito bem. Recusa os convites, mas adora ser convidada. Odeia salto alto e os usa mesmo assim.
Mas por que ninguém conseguiu ultrapassar esse muro de Berlim que você ergueu no teu peito? Ela desconversa. Ri de canto de boca e me pergunta se eu fumo, tentando desviar o assunto pra longe. Eu insisto. Falo coisas demodês e jogo no ar o fato de que eu a acho perfeita. Ela empina o nariz, me lança seus olhos verdes escuro e ajeita-se sobre a mesa. Muda o tom e me fala: “Porque eu não quero”. E eu rio sem graça da minha maldita ideia de achar que todo mundo quer ter alguém para dividir os brownies. Ela nem gosta de brownies.
Hugo Rodrigues, levemente modificado.
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