Profissional
do sexo. Puta. Vagabunda. Prostituta. Pelo menos eu recebo pra isso,
benhê, e você que fica chupando de graça? Dizia para a amiga, enquanto
tomavam um café colonial bancado pelo dinheiro que o sexo lhes trazia.
Eram amigas de infância. Estudaram em colégio particular, fizeram aula
de jazz, inglês e piano. Tudo juntas, durante anos. Uma delas casara com
o menino pop da escola, criança encapetada na época, mas bom moço hoje.
A outra virara mulher da vida. E no café, elas riam disso, “mulher da
vida”. Ora, ambas eram mulheres da vida e só por isso é que podiam
respirar, rir, passar batom e fazer drenagem linfática. Então elas
comiam ganaches, pasteizinhos de palmito, tortas de chocolate com
bolacha maria e se embebedavam de capuccinos e lembranças. Uma puta,
outra santa. Uma solteira, com um extenso currículo na cama e uma gorda
conta bancária só pra ela, outra
dona-de-casa-e-mãe-de-crianças-lindas-loiras-e-cheirosas. Não foi sempre
assim. Elas eram muito parecidas, tanto moralmente quanto fisicamente.
Até se vestiam de modos muito similares, um par de vasos, diziam.
Acontece que a amiga puta se especializara em boquetes, outrora. Já na
adolescência treinava com metade de colégio. Praticava artimanhas com a
ajuda de sorvetes, halls de tudo que era cor ou só com a língua e as
mãos. Tinha lábios carnudos, seios fartos e não aceitava penetrações. E
todo mundo sabe que, no sexo e na vida, tudo fica mais excitante quando
se coloca um limite. Transar no carro, em lugares públicos, em que hajam
riscos de ser pego, em que seja moralmente proibido transar, fica muito
mais gostoso do que o sexo na cama, com janelas e portas trancadas.
Fazer sexo com alguém que você não deveria estar fazendo, é geralmente
muito mais animado. Transar com um dos sentidos privados (sem a visão,
sem a mobilidade das mãos, etc) é uma consígnia que promete. E a
aprendiz de puta sabia disso, e era por isso que só fazia sexo oral. O
fato de os caras saberem que a penetração não ia acontecer, os
enlouquecia de tesão. O fato de a garota ser publicamente uma vagabunda
era um incentivo à ereção. E um dia ela percebeu que podia ganhar
dinheiro com isso. 35 anos de idade, virgem e puta. A outra só fazia
sexo por amor. Aprendera com a mãe, que lhe dizia da importância de uma
mulher se valorizar e do quanto um corpo feminino deve ser guardado para
o amor. Então vivia se apaixonando. Se dava de corpo e alma nas
relações.
35 anos de idade, santa, e não era virgem mais nem da orelha. Uma
trabalhava muito fora de casa e tinha uma conta no banco, um plano de
previdência e vários títulos de capitalização só pra ela. A outra
trabalhava muito em casa, e pedia dinheiro ao marido, de quem era a
segunda titular no banco. Uma adorava o sexo limitado que fazia, a outra
frequentemente sentia dores que os médicos não sabiam explicar, e então
diziam que era infecção urinária. Uma ainda acreditava no amor, em
alguém por quem valesse à pena romper seu hímen e seu coração. A outra,
descrente do amor romântico, rezava escondida de si mesma para que o dia
da morte do marido chegasse, ou que a coragem de uma separação lhe
visitasse. E então, de repente, eu não sei mais quem é que é a puta
aqui.
Alícia Roncero, no blog 4 pecados
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