quarta-feira, 4 de janeiro de 2012

Uma puta, outra santa



Profissional do sexo. Puta. Vagabunda. Prostituta. Pelo menos eu recebo pra isso, benhê, e você que fica chupando de graça? Dizia para a amiga, enquanto tomavam um café colonial bancado pelo dinheiro que o sexo lhes trazia. Eram amigas de infância. Estudaram em colégio particular, fizeram aula de jazz, inglês e piano. Tudo juntas, durante anos. Uma delas casara com o menino pop da escola, criança encapetada na época, mas bom moço hoje. A outra virara mulher da vida. E no café, elas riam disso, “mulher da vida”. Ora, ambas eram mulheres da vida e só por isso é que podiam respirar, rir, passar batom e fazer drenagem linfática. Então elas comiam ganaches, pasteizinhos de palmito, tortas de chocolate com bolacha maria e se embebedavam de capuccinos e lembranças. Uma puta, outra santa. Uma solteira, com um extenso currículo na cama e uma gorda conta bancária só pra ela, outra dona-de-casa-e-mãe-de-crianças-lindas-loiras-e-cheirosas. Não foi sempre assim. Elas eram muito parecidas, tanto moralmente quanto fisicamente. Até se vestiam de modos muito similares, um par de vasos, diziam. Acontece que a amiga puta se especializara em boquetes, outrora. Já na adolescência treinava com metade de colégio. Praticava artimanhas com a ajuda de sorvetes, halls de tudo que era cor ou só com a língua e as mãos. Tinha lábios carnudos, seios fartos e não aceitava penetrações. E todo mundo sabe que, no sexo e na vida, tudo fica mais excitante quando se coloca um limite. Transar no carro, em lugares públicos, em que hajam riscos de ser pego, em que seja moralmente proibido transar, fica muito mais gostoso do que o sexo na cama, com janelas e portas trancadas. Fazer sexo com alguém que você não deveria estar fazendo, é geralmente muito mais animado. Transar com um dos sentidos privados (sem a visão, sem a mobilidade das mãos, etc) é uma consígnia que promete. E a aprendiz de puta sabia disso, e era por isso que só fazia sexo oral.  O fato de os caras saberem que a penetração não ia acontecer, os enlouquecia de tesão. O fato de a garota ser publicamente uma vagabunda era um incentivo à ereção. E um dia ela percebeu que podia ganhar dinheiro com isso. 35 anos de idade, virgem e puta.  A outra só fazia sexo por amor. Aprendera com a mãe, que lhe dizia da importância de uma mulher se valorizar e do quanto um corpo feminino deve ser guardado para o amor.  Então vivia se apaixonando. Se dava de corpo e alma nas relações. 35 anos de idade, santa, e não era virgem mais nem da orelha. Uma trabalhava muito fora de casa e tinha uma conta no banco, um plano de previdência e vários títulos de capitalização só pra ela. A outra trabalhava muito em casa, e pedia dinheiro ao marido, de quem era a segunda titular no banco. Uma adorava o sexo limitado que fazia, a outra frequentemente sentia dores que os médicos não sabiam explicar, e então diziam que era infecção urinária. Uma ainda acreditava no amor, em alguém por quem valesse à pena romper seu hímen e seu coração. A outra, descrente do amor romântico, rezava escondida de si mesma para que o dia da morte do marido chegasse, ou que a coragem de uma separação lhe visitasse. E então, de repente, eu não sei mais quem é que é a puta aqui.


Alícia Roncero, no blog  4 pecados

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